O Recife é a capital brasileira mais ameaçada pelo avanço do nível do mar, de acordo com o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU). O relatório também aponta a “Veneza brasileira” na 16ª posição entre as cidades do planeta que correm mais risco e o g1 explica os fatores que contribuem para isso.
Entre as conclusões do relatório mais recente do IPCC, divulgadas em agosto, está a estimativa de que os seres humanos tenham sido responsáveis por um aumento de 1,07°C na temperatura do planeta. O aumento do nível do mar é apenas um dos efeitos das constantes mudanças climáticas apontadas pelos especialistas.
Diversos aspectos fazem com que o Recife seja a cidade mais afetada pelo avanço marítimo, como a geografia, a densidade demográfica e até mesmo a desigualdade social, segundo especialistas. Não quer dizer que a capital vai ser ‘engolida’ pelo oceano, mas sim que tem muitos desafios a enfrentar.
Em 2019, a prefeitura publicou um decreto reconhecendo a emergência climática na capital e anunciou que incluiria o tema no currículo das escolas.
Para discutir os efeitos e possíveis ações para minimizá-los, ocorre na cidade, até a sexta-feira (15), o Fórum Internacional Recife Exchange Netherlands (RXN), que tem como tema “águas como patrimônio: visões e estratégias sobre o aumento do nível do mar no Recife e Países Baixos”. A inscrição é gratuita.
De acordo com o professor Marcus Silva, do departamento de oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), durante o século 20, estima-se que o nível do mar tenha sido elevado entre 30 e 40 centímetros, a nível global. No entanto, cada região é afetada diferentemente pela mudança.
“As cidades apontadas no relatório são Recife, Rio de Janeiro e Santos (SP). Aqui, temos a questão do nível da cidade em relação ao mar, já que o Recife é a cidade mais baixa do Brasil, está no nível do mar. Além disso, a cidade tem uma zona urbana muito próxima da planície estuarina. São Luís, por exemplo, é mais alta, e não deve ter tanto problema”, explicou Marcus Silva.
Os especialistas apontam que a velocidade com que o mar avança tem aumentado exponencialmente, cada vez mais rapidamente. Isso não significa, no entanto, que as cidades devam ser tomadas pelas águas e deixar de existir, mas sim que vão surgir problemas problemas, específicos de cada localidade, aos poucos.
“Temos um patrimônio histórico e cultural muito próximo do mar, e isso aliado a um adensamento populacional e uso do solo extremos, dentro de uma zona costeira. Há uma população em vulnerabilidade social, porque no Recife a desigualdade, a diferença social é grande. Há comunidades que subsistem do que vem do estuário, como no Bode, Ilha de Deus, Brasília Teimosa [Zona Sul] e Afogados [Zona Oeste]”, declarou.
No Fórum Recife Exchange Netherlands, os pesquisadores buscam pensar formas de se adaptar ao avanço do mar. “São soluções de adaptação e proteção. Precisamos, o máximo que pudermos, pensar num convívio compartilhado com a água”, diz.
Para Marcus Silva, uma das alternativas pensadas pelos especialistas incluem, por exemplo, a engorda da Praia de Boa Viagem, cuja orla é imediatamente repleta de prédios e edificações em frente ao mar. Processo semelhante foi concluído em 2013 em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
“Os problemas são inúmeros e não se resumem à praia. Teremos problemas de transporte, esgotamento sanitário, tem tudo isso junto. A gente olha Boa Viagem e os prédios são todos voltados para o mar. Mas somos uma cidade cortada por rios e, neles, todas as construções são de costa para a água. Precisamos pensar nesse convívio compartilhado com a água”, explicou.
O professor do departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, Roberto Montezuma, lembrou que o problema precisa ser pensado de maneira global e local ao mesmo tempo.
“O importante é a gente pensar que esse problema, na verdade, é uma oportunidade. Onde toda a sociedade brasileira e todos devem estar unidos para resolvê-lo. Recife sempre foi um ponto de referência regional e quando foi criado, foi inventado como porto internacional. Com o tempo, fomos voltando às costas para a natureza e isso precisa mudar”, disse Montezuma.
O g1 entrou em contato com a prefeitura para saber como estão as ações de prevenção e adaptação para as mudanças climáticas e avanço do nível do mar, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Matéria: G1.Globo